O livro “Drácula” é um romance epistolar de horror gótico escrito em 1897 pelo Irlandês Bram Stoker. A obra inteira não é um romance tradicional em sua estética, ela é um conjunto de cartas e documentos separados que, juntos, contam uma história. Isso por si só já é algo interessante, você vai lendo documentos e formando a estória quase como se você fosse um detetive analisando provas para entender o que aconteceu.
Outro ponto interessante é que existem partes da estória faltando no livro. Quando eu li Drácula pela primeira vez isso me deixou incomodado e, julguei Bram Stoker como um escritor ruim, preguiçoso. Mas, em um segundo momento fica mais claro que a falta de trechos é proposital, uma ideia genial do autor (principalmente a falta de alguns relatos de Jonathan Harker no castelo).
Existe (talvez) algo muito mais genial em Drácula. Para entendermos o que é precisamos primeiro comentar um detalhe muito importante da vida de Bram Stoker, que é negligenciado pela maioria das pessoas - sua ligação com o ocultismo.
Ainda que não haja nenhuma evidência substancial de que Bram Stoker fosse membro de algum culto esotérico é bastante interessante observar seu entorno. Bram Stoker possuía conexões com o poeta britânico William Butler Yeats, um conhecido membro da sociedade secreta “Ordem Hermética da Aurora Dourada”. Bram Stoker também era contemporâneo a pessoas como Helena Blavatski, fundadora da Sociedade Teosófica que, indiretamente, cultuava lúcifer. Blavatski e Stoker viviam na mesma cidade e no mesmo período histórico, na londres vitoriana. Isso torna muito provável que eles de algum modo se conhecessem. Também, muito amigo de Bram Stoker era o dramaturgo britânico Henry Irvin que interpretou diversos personagens ligados ao ocultismo, como o personagem Mefistófeles da obra Fausto de Goethe, que representa o diabo.
Esse entorno ocultista junto a Bram Stoker nos desperta um questionamento: e se a obra Drácula está querendo dizer algo a mais do que aquilo que é escrito de modo direto? E se existe algo oculto na obra? E se Bram Stoker, com a obra Drácula estava querendo nos alertar sobre algo? Algo que foi propositalmente ocultado por Bram Stoker, assim como foi propositalmente ocultado pedaços do diário de Jonathan Harker? Na tradição hermética é bastante comum que um texto possua elementos secretos que só podem ser entendidos com a interpretação correta do texto. Essa forma de interpretação é chamada muitas vezes de chave hermenêutica.
Interpretações sobre o Drácula não faltam, afinal, é uma obra antiga e muito popular. Uma delas é a interpretação de que o Drácula representa o mau como um fim. No sentido de que o mau feito por Drácula é feito pelo desejo simples e direto de querer fazer o mau. Pensar desse modo é abrir o livro Drácula com uma chave hermenêutica onde o personagem Drácula simboliza o mau. A chave hermenêutica é a busca por um simbolismo que não é literalmente dito na obra mas que está lá. Escolher uma chave hermenêutica é escolher um símbolo.
Eu não acho que essa interpretação de Drácula simbolizando o mau como um fim em si mesmo, seja a chave correta. Não que você não possa interpretar desse modo a obra mas, talvez não seja isso que Bram Stoker quis dizer. Eu tenho aqui comigo uma outra chave, vamos usá-la para ver o que ela abre no livro?
Chave Hermética: e se a palavra Drácula simbolizar uma família dinástica?
O personagem Drácula não tem um primeiro nome.
Um ponto muito peculiar que passa despercebido é que o personagem Drácula aparece na obra como conde Drácula ou somente Drácula. Ora, conde é um título de nobreza de quem tem um condado. Já a palavra Drácula não parece ser um primeiro nome. Parece que a palavra Drácula é um sobrenome. Ao buscarmos a origem da palavra Drácula chegamos no romeno “Dracul” que significa “Dragão”. Existem interpretações ocultistas de que o dragão simboliza a serpente, que teve seus membros retirados por Deus após os eventos do jardim do éden. Por isso, a palavra dragão também remete a demônio. O Dracul vem também do personagem histórico príncipe da valáquia chamado Vlad III, o impalador. Mas, mesmo no caso do personagem histórico a palavra Drácula não é um primeiro nome, é um título que equivaleria a “filho do dragão”.
Quando pensamos a palavra Drácula como um sobrenome podemos traçar um paralelo com o fenômeno das famílias dinástica. Uma família não é conhecida pelo primeiro nome, pelo nome dos indivíduos mas, é conhecida pelo seu segundo nome, o nome não individual mas coletivo. O fato do Drácula não ter um primeiro nome na obra Drácula permite essa interpretação.
A questão da imortalidade
A lenda do vampiro conta sobre seres imortais, que vivem por muitos e muitos séculos. Isso, obviamente, não é possível a um ser humano como entidade individual. Contudo, um sobrenome “vive” por muitos e muitos séculos. O que estamos querendo dizer é que indivíduos não vivem por séculos mas, a história nos mostra que as famílias dinásticas podem fazer isso. É quase como se você alcançasse a imortalidade através da perpetuação da sua família através dos séculos. Talvez Bram Stoker, por conviver em um meio de ocultistas, sabia que existiam famílias dinásticas metidas dentro desse meio e, talvez isso serviu como inspiração. Talvez o personagem Drácula seja um aviso de alerta sobre essas famílias que buscam a imortalidade através da linhagem sanguínea. Mais cedo falamos sobre Drácula ser o mau como um fim. No nosso entendimento Drácula é o mau como um meio, o fim é a imortalidade.
A questão do sangue.
A palavra vampiro tem uma origem muito antiga e incerta. Ela deriva de folclores de diversos povos nos quais os mortos voltam a vida (morto-vivo) para se alimentar dos vivos. Existe, por exemplo, a deidade suméria Lilith que, lá em 6000 antes de cristo era conhecida como uma entidade que devorava a vida de homens e dos bebês. Seu símbolo era a lua que, veja só, assim como os vampiros, só aparece durante a noite.
Na obra Drácula, Bram Stoker segue a tradição do mito do vampiro e, aponta três etapas para alguém virar um vampiro. A primeira etapa é a perda gradual do sangue original da pessoa. Essa perda pode ser interpretada como alguém que abandona seu sobrenome. Na segunda etapa a pessoa vai tomando o sangue de Drácula aos poucos. Essa tomada de sangue pode simbolizar um indivíduo entrando aos poucos em uma família dinástica. E, por fim, na terceira etapa ocorre a morte da pessoa que, depois ressurge como um vampiro. Isso pode representar a etapa final onde uma pessoa abandona completamente sua família original e se torna membro de uma família dinástica.
A relação do vampiro com o sangue também pode ser interpretada através de um viés de exploração que uma família dinástica faz com relação ao povo do lugar onde ela habita. Isso é particularmente verdadeiro com famílias dinásticas de banqueiros que, através de mecanismos de usura sugam o sangue das pessoas, sugam a vida delas, para que elas trabalhem para pagar o juro que o banqueiro vai usar para viver bem com sua família. Nesse caso da usura é quase como se fosse feita uma transferência da vida das pessoas comuns, para o vampiro viver para sempre. Contudo, essa interpretação não está de acordo com Drácula pois em Drácula o sangue dele é passado para algumas pessoas que ele explora também, como foi o caso de Lucy Westenra.
A simbologia do sangue é muito extensa, ela aparece em múltiplas culturas como algo ligado ao prolongamento da vida, o que tem a relação com imortalidade dos vampiros. Inclusive nos dias de hoje tem-se a ““““teoria da conspiração”””” de que as elites tomam sangue humano de crianças (adenocromos) para prolongar suas vidas ao máximo.
A simbologia das sombras
Drácula é um ser da noite, um ser que não sai de dia e que pode ser morto ao enfrentar a luz do sol. A ideia de “luz” sempre representou ao longo da história várias coisas, dentre elas Deus e a verdade. Até mesmo em Platão isso existe no mito da caverna onde uma pessoa encontra a verdade ao sair na luz.
Com relação as famílias dinásticas é evidente o que as sombras significam. Uma família dinástica para durar ao longo do tempo precisa se esconder, ser discreta, fazer com que as pessoas não pensem que ela existe, ela precisa manter-se oculta. Junto a isso, uma família dinástica muitas vezes precisa dissuadir, iludir e mentir para pessoas, para fazer com que as pessoas pensem que elas não existam. Precisamente por isso que elas teriam medo da luz, pois elas são destruídas pela verdade. Uma família dinástica exposta tende a ser dissolvida, assim como foram todas as famílias dinásticas dos reinados medievais. As famílias dinásticas, assim como Drácula, se esconde nas sombras porque só através delas que é possível se manter existindo.
Pense do que seria se todos soubessem que são apenas algumas poucas famílias que mandam no ocidente inteiro… como seria? Qualquer coisa que desse errado as pessoas iriam atrás cobrar essas famílias e, isso é muito perigoso para elas. Precisamente por isso que existem políticos profissionais, para que você jogue sua raiva neles. Mesmo que eles não tenham poder, que não mandem em nada, é preciso que eles estejam lá para que você não veja onde está o real poder. As sombras é uma estratégia de defesa.
Outros pontos secundários
Existe alguns pontos que, não necessariamente, remetem ao fenômeno de famílias dinásticas mas que vale a pena comentar. Um deles é o simbolismo do colar de alho. O alho na obra Drácula é algo capaz de espantar vampiros mas por quê? Porque o alho, ao longo de múltiplas culturas, representa um meio de purificação. Como Drácula é um ser corrupto o alho, que representa a pureza, faz mal a ele. O interessante do alho é que essa representação de pureza tem um fundo de verdade científica. O alho pode muitas vezes ser usado para “puxar” o veneno de dentro do corpo humano para fora. Veneno esse que vem de animais peçonhentos como insetos e até mesmo cobras (Dracul). Muitos dos mitos possuem um certo fundo de verdade, o mito do sangue, conforme mostramos acima representa a vida e, o sangue de crianças possui células tronco, que realmente ajudam na regeneração.
Outro ponto interessante na obra Drácula é a ligação dele com a terra. Drácula em um determinado ponto da obra se muda para a Inglaterra e, trás consigo porções de terra de seu local de origem dentro de caixas, não como algo opcional, mas sim como algo necessário. O porquê a terra é necessária não é explicado muito bem na obra. A minha interpretação é que a terra dele simboliza sua ligação com o seu local de origem. Talvez essa ligação remeta a famílias dinásticas originárias de um lugar comum que não necessariamente seja um reino ou estado (de um grupo étnico, talvez?). O interessante de algumas famílias dinásticas é que elas muitas vezes se mudam para outros países e não se assimilam na cultura desse país, elas mantêm suas práticas secretas internas, mantêm suas tradições, suas raízes. Onde nascem as raízes? Na terra.
Outro simbolismo interessante é a estaca de madeira no coração. A estaca pode ser interpretada como uma seta e o coração pode ser interpretado como o local de onde vem o sangue. Um vampiro, nesse caso, é destruído quando as pessoas atacam diretamente a família. Portanto, ao invés de destruir os meios de ação de uma família dinástica o correto seria destruir a família em si. Voltando ao exemplo da família de banqueiros não deve-se destruir os bancos pois eles são necessários mas, deve-se destruir aqueles que usam os bancos para fazer o mal para o povo. Ademais, é importante notar que a estaca de madeira pode simbolizar aquilo que na linguagem hermética representa a árvore da vida. A morte está onde não está a vida e, quando se insere a vida no coração de um ser morto ele deixa de existir mais como morto.
Um último ponto fundamental.
Mais importante do que tudo o que foi explicado falta explicar uma coisa, que é a relação de Drácula com Deus. Um vampiro teme Deus pelo simples motivo de que ele depende (condição existencial) das sombras para continuar existindo e, onde há luz não há sombra. Isso quer dizer que a sombra é a ausência da luz assim como o mau é ausência do bem no sentido de que, o mau só é o que é devido a um afastamento do homem com relação a Deus, como bem apontava o bispo de Hipona no século 4 depois de cristo.
É precisamente por isso que as famílias dinásticas que existem hoje são todas anticristãs. As famílias dinásticas são seres das sombras, no sentido de que depende das sombras para existir. Elas dependem de serem ocultas da grande maioria das pessoas para conseguirem fazer enganação, usura, trapaça, parasitagem e todas as formas de maldade que mostramos nesse texto. Sendo o mais claro possível: uma família dinástica que aceite Deus perderá seus meios de ação e, não conseguirá mais existir, uma vez que sua existência depende de poder fazer o mau e isso não é mais possível quando se aceita Deus. É por isso que os vampiros são destruídos por Deus.
Ademais, a igreja católica posiciona-se abertamente contra o ocultismo. A igreja católica acredita que a mensagem de cristo deve ser exposta a todos de modo universal. É precisamente daí que vem a palavra católico (universal). A palavra católico representa a ideia de que a salvação das almas é algo possível a todos desde que aceitem Deus. Não há, como em outras religiões, salvação só para os iniciados em um culto esotérico ocultista. Não há nada oculto dentro da igreja católica no que concerne a salvação das almas. Uma família dinástica dessas iluministas que existem hoje, por definição, não podem ser católicas.
É preciso que se entenda que, ao entrar em uma família dessas, por definição, a pessoa que entrou perde sua alma. Exatamente como é descrito no processo de transformação em vampiro na obra Drácula. A pessoa só vira o vampiro após sua morte e, a partir daí é condenada a viver nas sombras como um morto-vivo vazio, sem alma, buscando a vida dos vivos. O vampirismo é uma maldição pois força o vampiro a vagar sem alma. Ele ganha a imortalidade na terra, sim. Mas perde a eternidade no céu junto a Deus. O mesmo dito aos vampiros, cabe às famílias dinásticas.
Será que foi isso que Bram Stoker tentou nos avisar quando escreveu Drácula? Será que realmente drácula é só um livro sobre vampiros? Ou Drácula, na verdade, é um alerta, uma tentativa de aviso do que Bram Stoker viu surgir na Londres vitoriana do século XIX? Será que ele viu todo o problema e teve medo de contar diretamente e, por isso, contou através de uma alegoria com vampiros?
Se Drácula é uma palavra hermética para famílias dinástica então, infelizmente, talvez a realidade seja mil vezes pior que a ficção. Se a nossa chave hermética está correta então essa versão do Drácula consegue ser até pior do que o Drácula original, o conde Vlad Tepes, o empalador que inspirou Bram Stoker. Isso porque o sofrimento que as famílias dinásticas trazem ao mundo até hoje, em nome de suas imortalidades, é muito maior do que os milhares de empalamentos feitos por Vlad. No fim das contas, se essa nossa interpretação do Drácula é real então o Drácula é muito mais maligno do que pensávamos e, a realidade talvez seja pior que um filme de terror. Muito sangue ainda vai correr até que nos livremos deles.
Interessante leitura Homero. Independentemente de ser ou não acurada para obra, acho que o dotô construiu uma ótima analogia para explicar um certo elemento da estrutura ocidental de poder.
De minha parte, acredito que o caráter central da obra do autor anglo-irlandes é a consciência que o ocidente teria perdido a sua mística. Como o senhor doutor professor careca notou, Bram Stoker estava envolvido no renascimento místico do século XIX, que não somente buscou no ocultismo, mas até em vertentes tradicionais do cristianismo soluções para as expectativas frustradas do racionalismo iluminista. Por tanto, um monstro vindo da região mais primitiva da Europa naquele tempo, a Transilvânia, que com magia desafia e vence o poderio científico da região mais moderna do Mundo, mas que só pode ser vencido com coisas que eram tidas como superstições (os crucifixos e a eucaristia etc.) parece ser um comentário acurada sobre a crise do racionalismo cientificista.
Existem outros elementos na obra que são dignos de análises profundas, como a clara caracterização sexual do Conde Drácula, e como todas as imagens de mordidas e beber sangue se ligam com a ideia de pecado e corrupção da pureza, talvez tu poderia fazer análises filosóficas feitas por profissionais sobre eles também.
hoje em dia sojaram até o dracula 😥💔