O regime militar não foi de esquerda, posso provar.
Uma breve crítica ao espírito do nosso tempo, em defesa da nossa história e do nosso povo.
[Nota do autor: o final da parte dois ficou meio pesado em termos de filosofia, se você não entender não se preocupe, eu comentarei com calma na versão em vídeo desse artigo.]
Parte 1 - Porque o regime militar não foi de esquerda.
Recentemente o algoritmo do Youtube nos recomendou um vídeo de um professor de história dito anticomunista. Até aí tudo bem, somos bons apreciadores da disciplina de história. Em especial gostamos muito da noção de ciclos históricos de Oslawd Spengler descrito no livro Der Untergang des Abendlandes (1918).
Também, como bons apreciadores da tradição cristã, vemos com bons olhos o posicionamento anticomunista. Afinal, como todos sabem, a igreja católica condena o comunismo desde 1937 na encíclica Divini Redemptoris. A igreja católica também condena o comunismo na declaração Gaudium et Spes (1965) mas, essa declaração deve ser lida com uma certa desconfiança afinal, é uma declaração do CVII (1962-1965).
Por tal conjuntura, tínhamos tudo para achar o vídeo bom. Afinal, é um professor de história e é alguém anticomunista. Contudo, o argumento apresentado no vídeo sobre ditadura militar é falso e, nesse texto, mostraremos ao leitor o porquê.
Não decidimos fazer esse texto somente em virtude de acrescentar algo no debate público mas sim porque a posição apresentada por esse historiador é uma grande ofensa a história da direita brasileira e também, uma grande ofensa a todos os brasileiros que lutaram contra a esquerda naquela época. Esse texto precisa existir para que se faça justiça e para que se pare, de uma vez por todas, com esses delírios de que “tudo o que eu não concordo é necessariamente esquerdismo.”.
Comecemos apresentando o argumento a ser refutado. O argumento, se entendemos bem, segue mais ou menos assim:
Premissa 1 - A ditadura militar brasileira possuiu características que o comunismo também possui.
Premissa 2 - O comunismo é de esquerda.
Conclusão - Logo, a ditadura militar brasileira é, a sua maneira, de esquerda.
Para refutarmos esse argumento convidamos o leitor para um breve experimento mental. Não se preocupe, não será chato insuportável como o experimento mental das terras gêmeas proposto por Hilary Putnam em 1975 no livro Mind, Language and Reality.
Pensemos…
Suponha que existam duas salas distantes uma da outra, digamos a uns 100 quilômetros uma a outra. Dentro de cada sala existe um grupo de cientistas estudando cada grupo um animal.
As duas salas são ligadas por um fio de telefone e, o objetivo do estudo é saber se os dois animais da sala são o mesmo ou se são diferentes baseando-se unicamente em suas características. Os cientistas de uma sala não sabem qual animal há na outra sala, eles sabem somente qual animal está na sala deles mas, não podem dizer diretamente qual é. Por telefone eles conversam.
“O nosso animal tem quatro patas, o de vocês também?” Os cientistas do outro lado, respondem que sim. A pesquisa continua.
“O nosso animal, além de quatro patas, é terrestre. O animal de vocês é terrestre?” Os cientistas do outro lado respondem que sim. O experimento continua.
“O nosso animal, além de quatro patas, é terrestre e tem cauda… o animal de vocês tem cauda?” Os cientistas respondem que sim.
A pergunta que você leitor, tem que se fazer diante desse cenário é a seguinte: dessas características comuns é possível concluir que os dois animais são iguais? Sim ou não?
Resposta: Não.
Isso pois, em uma sala você pode ter um cachorro e na outra sala um animal completamente oposto a um cachorro, um animal inclusive inimigo de um cachorro, um gato.
Você pode ter um cavalo na sala, você pode ter um ornitorrinco e, até mesmo, você pode um elefante na sala (e provavelmente você tem).
O ponto que estamos demonstrando aqui é bastante simples: só porque esses seres possuem características semelhantes disso não se segue que NECESSARIAMENTE eles são iguais. Compreende o ponto?
Do mesmo modo, alguém que afirme que o regime militar brasileiro é de esquerda está errado. Dizer que o regime militar é de esquerda porque ele teve características do comunismo é dar um salto lógico. É forçar uma relação proposicional lógica de necessidade em um cenário proposicional contingente.
Seria o mesmo que, no experimento, os cientistas afirmarem que os animais são iguais só porque eles tem algumas características iguais. Isso pode ser feito, pode. Mas, é preciso um salto lógico.
Exatamente aí está o erro de quem acredita que o regime militar foi de esquerda. Também esse é o mesmo erro de quem acredita que o fascismo foi de esquerda. Também esse é o mesmo erro de quem acredita que Bolsonaro é um esquerdista pois aprovou fundão eleitoral, reuniu-se com o Putin, deu assistencialismo para o povo etc.
Entenda que: só porque duas entidades possuem algumas características parecidas disso não se segue que elas são iguais. Vamos a mais um exemplo para o alunóide do MEC (educado pela pedagogia histórico crítica de Saviani), que não entendeu.
O liberalismo é contra o nacionalismo. Ele é contra pois vê o estado nação como um entrave ao livre mercado uma vez que, através dos estados nações cria-se o protecionismo e, o protecionismo é antiliberal (pelo menos de um ponto de vista teórico). Do mesmo modo, o comunismo também é contra o nacionalismo. O comunismo acredita que os estados nacionais devem ser abolidos pois eles representam um fragmento da superestrutura que oprime o proletário e que, deve ser com o tempo, substituído por um regime comunista.
Agora pensemos juntos aqui comigo alunóide do MEC.
Disso segue-se que o liberalismo é uma forma de comunismo ou vice versa? Veja bem, os dois são contra o nacionalismo. Além disso, para citar mais características comsun, os dois são antiteocráticos. Do mesmo modo, os dois são globalistas. Do mesmo modo, tanto o liberalismo quanto o comunismo tem como efeito o estrangulamento de culturas locais. Estamos dizendo aqui uma série de características comuns do liberalismo e do comunismo… disso se segue que eles são iguais? Obviamente que não.
Dizer que liberalismo é igual ao comunismo baseado unicamente em suas características comuns seria como dizer que cachorros são iguais a cavalos pois ambos são mamíferos, são terrestres, tem quatro patas e rabo. Logo…
Não é possível concluir que dois entes são iguais só porque eles possuem algumas características em comum.
Somente é possível forçar uma relação de igualdade dando um salto lógico, assumindo que são iguais porque sim. Entretanto o salto lógico para formar uma relação sinonímia não deve ser feito assim na loucura. Em algumas situações poder-se-ia dar um salto lógico mas, não nessa situação do regime militar.
Em que situação um salto lógico desses é aceitável?
Seria aceitável se, digamos que no exemplo do experimento mental, tivéssemos um Rottweiler em uma sala e um Dobermann em outra. Aí nesse caso as características comuns deles são tão grandes mas tão grandes que, daria para aceitar, dando um salto lógico, que são dois animais iguais. Ainda assim, fazer isso é forçar a barra pois um Dobermann é diferente de um Rottweiler mas, vá lá, digamos que são iguais. Nesse caso parece razoável dizer que são sinônimos.
Mas voltando.
A tese de que o regime militar foi de esquerda mostra-se evidentemente falsa e, quem afirma isso o faz pois dá um salto lógico que não é possível de ser feito de modo razoável. Dizer que o regime militar brasileiro foi de esquerda é como dizer que gatos são iguais a cachorros pois eles possuem quatro patas, são mamífero, são terrestres e tem cauda.
A refutação desse tipo de delírio da bolha liberal conservadora já poderia parar por aí. Contudo, cabe a nós, aprofundar um pouco mais o assunto. Voltemos ao exemplo dos cientistas e os dois animais em salas distintas.
Como seria possível então, para os cientistas descobrirem se os animais são iguais? Ora, se acabamos de mostrar que, citar características comuns não leva necessariamente a resposta, o que poderia ser feito para saber se os dois animais são iguais? Pensemos.
Imagine que um cientista diga “Nosso animal é um mamífero. O de vocês é?” E, do outro lado, venha uma resposta negativa. Digamos que alguém responda “Não, o nosso é um réptil.” Aí então é possível concluir que os dois animais são diferentes. Você não precisa saber exatamente quais animais estão em cada sala mas, somente com essa informação você consegue entender que são animais diferentes. Nesse caso essa informação é necessária e suficiente para se concluir com 100% de certeza que são animais diferentes. Note um detalhe muito interessante: mesmo sem saber exatamente quais animais estão em cada sala você consegue afirmar que eles são diferentes nesse caso. Ou seja:
Para você saber se duas entidades são iguais, busque não somente suas semelhanças mas também e, principalmente, busque suas diferenças.
Então, para refutar de uma vez por todas a pífia ideia que o regime militar não foi de esquerda basta encontrar, pelo menos uma vez, essa relação de “réptil/mamífero” ao comparar o regime militar e a esquerda. Ou seja, precisamos buscar as diferenças e, se não encontrarmos nenhuma significativa poderemos nesse caso, talvez, dizer que são iguais e que o regime militar foi de fato de esquerda.
Pergunta: existe algo radicalmente (no sentido raíz do termo) contrário do regime militar com o comunismo e a esquerda? Existe alguma característica que separe os dois de um modo extremo? Existe a relação réptil/mamífero nesse caso? Sim existe.
Existe um documento histórico, a constituição brasileira de 1967 onde são ressaltado os princípios do capitalismo, dentre esses ressaltamos um, a propriedade privada. Você pode acessar a constituição de 1967 no seguinte link. Se atente ao artigo 150. (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1960-1969/constituicao-1967-24-janeiro-1967-365194-publicacaooriginal-1-pl.html)
O regime militar defendia a propriedade privada. A esquerda defendia o fim da propriedade privada. Logos temos aí pelo menos uma diferença radicalmente significativa entre os dois. Ao identificarmos essa diferença encontramos assim a relação réptil/mamífero. E, diante dessa relação é logicamente IMPOSSÍVEL afirmar que o regime militar foi de esquerda ou foi comunista.
Lembrando que essa é somente uma diferença. Poder-se-ia elencar inúmeras outras. A verdade é que quanto mais você estuda o regime militar mais diferenças significativas você encontra. O regime militar não foi de esquerda e, inclusive é uma falta de respeito histórico com os militares da época fazer uma afirmação desse tipo. O professor de história em questão, que fez essa afirmação absurda, deveria ter vergonha de si mesmo.
Recapitulando:
Não é logicamente possível concluir que o regime militar é de esquerda somente com a identificação de algumas características comuns entre o regime militar e a esquerda. O único modo de fazer isso é dando um salto lógico que, nesse caso não passa pelo critério da razoabilidade.
É possível identificar diferenças significativas entre o regime militar e a esquerda (relação réptil/mamífero). Essas diferenças não permitem que seja possível afirmar que o regime militar é de esquerda.
Parte 2: As origens do delírio neocon contemporâneo
Agora, cabe uma investigação de porque existe esse delírio por parte da direita brasileira.
O que existe aqui é uma idealização da atual direita brasileira sobre o que é ser de direita. Na atual teologia política1 brasileira ser de direita, para a bolha neocon (“o liberal que se diz liberal conservador”), é defender o liberalismo completo e sem ressalvas. Qualquer falha na defesa do liberalismo, por menor que seja, é considerada uma forma de esquerdismo. Associa-se hoje ser de direita a defender completamente o liberalismo sem ressalvas.
Então, se a ditadura militar não cumpriu exatamente letra por letra o que é ser direita para o neocon hoje logo, esses malucos pensam por eliminação que o regime militar foi de esquerda. É exatamente daí que surge a expressão do historiador anticomunista que a ditadura militar foi uma “direita canhota”.
Ele vê que a ditadura militar estava a direita da esquerda comunista mas, como não estava EXATAMENTE dentro do ideal teológico político da bolha neocon então é também uma forma de esquerdismo. Eis aí talvez o ponto mais importante desse artigo, mais importante até mesmo que a refutação do argumento: a atual intelectualidade de direita brasileira tem como sua teologia política a total, completa e incondicional fé no liberalismo como seu Ha-Mashiach2. Toda e qualquer pessoa que seja que faça críticas ao liberalismo é vista, no atual estágio da intelectualidade de direita brasileira, como um herege do culto do liberal que se diz liberal conservador.
Entretanto, no nosso entendimento, isso é um erro.
Cabe aqui lembrar ao leitor “liberal que se diz liberal conservador” o posicionamento da igreja católica a respeito do liberalismo.
A igreja católica condena o liberalismo desde 1832 na encíclica Mirari Vos. Ela também condena o liberalismo na encíclica Quanta Cura (1864), na encíclica Diuturnun (1881) e também na famosa encíclica Rerum Novarum, de 1891.
Provavelmente dirão que a igreja católica é esquerdista. Que a igreja católica é também uma “direita canhota”. No atual estágio da direita brasileira, por causa da atual teologia política, nada que não seja totalmente pró liberalismo pode ser aceito como de direita. Isso vale para o regime militar brasileiro, vale para o fascismo, vale para o Enéias, vale para Bolsonaro e vale até mesmo para a igreja católica.
O mais grave de toda essa situação é que, esse tipo de delírio, de achar que o regime militar foi de esquerda, foi dito por um senhor já de idade. Esse tipo de loucura é esperado para jovens. Tem-se aí nos jovens influenciadores da direita delírios do tipo…
“No fascismo teve sindicatos… No governo do PT também teve sindicatos… LOGO….”
É esperado esse tipo de pensamento non sequituriano de jovens em processo de iniciação à vida intelectual, sim isso é normal. Mas, não se espera esse tipo de ideia burra de uma pessoa já de meia idade, quase um idoso. Esse tipo de pensamento é um pensamento típico de alunos de graduação, não de professores. Pelo menos não deveria ser.
O processo mental expresso por esse professor de história nos mostra claramente que a Politische Theologie da atual direita brasileira é a defesa plena do liberalismo. Ele teve a ideia maluca que ele teve pois o espírito do tempo permitiu que ele tivesse a ideia que teve. No atual espírito do tempo, Deus está morto e foi substituído por crenças metafísicas liberais que esse senhor endossa. A Kulturen pós moderna da bolha neocon é uma tékhne transversal e interconectada (INTERLINKED!) que afasta o brasileiro de toda e qualquer noção de sentido histórico e divino, reformulando conceitos através da ideologia para que, através de si mesma, se autodestrua. O principal objetivo desse tipo de afirmação por parte desse professor é a destruição completa da história da direita brasileira para que, no futuro, somente seja aceito como direita aqueles que se curvam a teologia política liberal. A lógica dialética da semente, a terceira lei de Engels, nesse caso, vale até para a direita.
Inclusive é importante que citemos Engels aqui para que o liberal conservador que esteja lendo esse texto entenda que por trás de seu pensamento, veja só, existe um esquerdista, existe Engels. É a famosa negação da negação ou, a também o chamado desenvolvimento através de suas contradições. É isso que a atual direita brasileira segue ipsis litteris.
A atual direita busca a todo custo destruir o seu passado com o intuito de ser um novo futuro. É como uma semente que, para mudar de forma e virar uma árvore, precisa negar e destruir a si mesma. É precisamente por isso que existe um ataque da atual intelectualidade de direita brasileira contra aquilo que ela mesma foi no passado. É quase como um filho educado de modo tradicional que virou rebelde e que agora nega o seu próprio pai tradicionalista.
Cabe a intelectualidade brasileira séria de direita defender o seu passado não somente contra os ataques comunistas mas sim também contra os ataques da direita revolucionária. Esse é o termo preciso, o termo correto: direita revolucionária. É revolucionária pois através da terceira lei de Engels nega tudo incluindo a si mesma.
Por fim, terminamos o texto com o reconhecimento que pouco podemos fazer contra esse tipo de postura a não ser denunciá-la. Esse historiador anticomunista está sistematicamente mentindo sobre a história da direita brasileira para um público de mais de 150 mil pessoas com o intuito de destruir a história do Brasil. A gravidade é que não é uma mentira que foi dita por ele uma vez. Se fosse dita uma vez só já era muito. Mas não, é uma mentira dita por ele repetidas vezes e, até o momento onde estamos escrevendo esse texto, ele continua lançando vídeos insistindo nesse tipo de delírio. Sobre isso, reconhecemos que pouco podemos fazer a não ser, como já dissemos antes, denunciar. O nosso canal no Youtube tem apenas 3 mil inscritos. 75 vezes menos alcance que o canal dele.
Não fazemos esse tipo de denúncia por nós mesmos, muito pelo contrário, esse texto nos trará muito incômodo. Contudo, é um incômodo que vale a pena. Alguém precisa defender a memória de todos aqueles que lutaram pela direita durante aquele período histórico. Nesse sentido, a atual direita brasileira é muito pior que a esquerda. Isso porque a esquerda não nega a sua história, seu passado e seus heróis. A atual direita liberal conservadora nega ao apontar para eles e chamá-los daquilo que eles não são, esquerdistas. Escrevemos esse texto para fazer justiça. Escrevemos esse texto, por exemplo, pela memória do Sargento Mario Kozel Filho, assassinado pelo MR-8, em 1968 durante um atentado a bomba.
Esse tipo de luta, para defender a nossa história, é uma luta que vale a pena lutar e, por isso esse texto existe. Esse historiador não é sério e não deve ser respeitado enquanto não respeitar o Brasil. Canalhas, mil vezes canalhas!
Teologia política (Politische Theologie) é um termo criado por Carl Schmitt em 1922 que refere-se a um conjunto de crenças metafísicas que amparam um determinado governo. Na modernidade essas crenças metafísicas não necessariamente são crenças religiosas. Pode ser, no caso do capitalismo, a ideia metafísica de liberdade. A noção de teologia política assemelha-se muito a noção de fórmula política, de Gaetano Mosca, de 1896. Contudo, não são iguais. A teologia política tem seu foco em valores sociais de origem metafísica enquanto que a fórmula política refere-se mais a estruturas físicas e culturais de poder impostas por minorias organizadas sobre maiorias desorganizadas.
Ha-Mashiach é um termo hebraico do antigo testamento que poderia ser traduzido “O Messias”. A palavra Messias, por sua vez, significa “aquele que foi ungido (com óleo)” e, no contexto do antigo testamento, aquele que era ungido era o rei. A tradução de Ha-Mashiach, para o grego é Khristós e, dai vem a palavra Cristo.
direitista e nacionalista de internet já faz mais pelo comunismo do que todo canal do História Cabeluda, Ian neves e Humberto Matos já conseguiram fazer em todos os anos de existência de canal
A "direita" brasileira é tão desorganizada que não conseguem definir princípios tão básicos do passado, quem dirá do futuro.